Número: 11.11 - 8 Artigo(s)

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Artigos Originais http://www.dx.doi.org/10.5935/2674-7960.v11-0006

Cigarro eletrônico e o transtorno depressivo: uma Revisão Sistemática

Electronic cigarette and depressive disorder: systematic review

André Luiz Almeida de Melo Filho1; Mariana Kraide Piedade de Abreu2; Adriana Ávila de Almeida3

1. Acadêmico de medicina da Faculdade de Ciências Médicas de São José dos Campos - Humanitas. Fundador e Presidente da Liga Acadêmica de Pneumologia Humanitas (LAPH). E-mail: andre.almeidam1995@gmail.com
2. Acadêmico de medicina da Faculdade de Ciências Médicas de São José dos Campos - Humanitas
3. Doutora em Biopatologia Bucal pela Universidade Estadual de São Paulo, São José dos Campos, São Paulo, Brasil; Mestre em Pesquisa em Cirurgia na Santa Casa de São Paulo - Professora de Clínica Médica e Método Clínico na Faculdade de Ciências Médicas de São José dos Campos – Humanitas

Recebido em 06/02/2023
Aceito em 31/05/2023

Resumo

OBJETIVOS: identificar e discutir estudos científicos que indiquem uma relação de problemas na saúde mental com o uso de cigarros eletrônicos.

MÉTODOS: Foi realizada uma Revisão Sistemática de literatura, PECO (Pacientes, Exposição, Controle, Desfecho); P: pacientes tabagistas E:cigarro eletrônico C:pacientes não tabagistas O: Transtorno depressivo, utilizando as bases de dados Pubmed e Lilacs.

RESULTADOS: Foram encontrados 10 estudos que se encaixaram nos critérios de inclusão. Os estudos levantados mostraram que a depressão tem uma relação com o uso de cigarros eletrônicos.

CONCLUSÃO: Transtornos na saúde mental, induzem a utilização do cigarro eletrônico, principalmente em adultos jovens e adolescentes, como tentativa de melhorar os sintomas da depressão.

Palavras-chave: Hábito de fumar, Depressão, Comercialização de produtos Derivados do tabaco.

 

INTRODUÇÃO


O século XXI trouxe muitas mudanças comportamentais, e uma delas foi o advento dos cigarros eletrônicos, principalmente entre a população jovem.(1) Diante de um panorama ainda relativamente recente, os riscos no âmbito físico, psíquico, social e financeiro do uso crônico destes dispositivos permanecem um desafio.(1,2) Apesar disso, pesquisas demonstraram que os cigarros eletrônicos, além da nicotina, contêm muitas substâncias tóxicas, existindo evidências de que os demais produtos como: solventes vaporizadores, metais, aromatizantes, podem ter efeitos nocivos ao organismo, principalmente no sistema cardiovascular, no sistema respiratório e no sistema nervoso central.(3)


Os consumidores dos cigarros eletrônicos têm acesso à nicotina líquida, o insumo utilizado no dispositivo, o que resulta em um aumento no risco de intoxicação.(3) O consumo da nicotina sob a forma líquida é semelhante ou até mesmo maior do que o uso por outras vias e os sintomas do estímulo sensorial são inicialmente excitatórios seguido de inibitórios.(1,3) Inicialmente os usuários podem apresentar salivação, náuseas, aumento das secreções da árvore brônquica, taquicardia, hipertensão, ansiedade, espasmos musculares e convulsões, seguidos de dispneia, bradicardia, hipotensão, letargia e paralisia.(1,2,3)


Os cigarros eletrônicos entraram no mercado com a promessa de serem menos nocivos à saúde, contudo, os estudos mostram, que os efeitos desse dispositivo podem ser potencialmente tóxicos para o usuário.(3) A longo prazo ainda não se pode afirmar quais os reais riscos dos cigarros eletrônicos, pois mesmo que não produzam combustão na sua forma de consumo, ainda existe a emissão de várias substâncias deletérias.(1,2,3)


Já foi comprovado que pessoas com depressão têm maiores dificuldades de abandonar o tabagismo, e são mais suscetíveis a recaídas nos períodos de abstinência do tabaco. (4) Desta forma, além de comprometer a saúde física, o uso dos cigarros eletrônicos parece estar associado a distúrbios mentais, como ansiedade, depressão e déficit de atenção e hiperatividade (TDHA), principalmente entre adolescentes.(1,2,5)


Portanto, o objetivo do trabalho é avaliar as evidências atuais que sugerem a associação entre problemas de saúde mental, destacando a depressão, com o uso de cigarros eletrônicos.


 


MÉTODOS


O estudo foi construído na Metodologia de Revisão Sistemática, selecionando estudos primários que relacionassem o uso do cigarro eletrônico com os transtornos mentais de depressão e ansiedade. Utilizou-se as palavras-chaves, segundo os descritores de saúde (DECS), “Electronic Nicotine Delivery Systems”, “Vaping”, “E-Cigarette Vapor”, “Depression”, “Anxiety Disorders”, “Depressive Disorder”,”Mental Disorders” associadas aos operadores booleanos OR e AND. Foi utilizada a estratégia PECO (Pacientes, Exposição, Controle, Desfecho); P:pacientes tabagistas E:cigarro eletrônico C:pacientes não tabagistas O: Transtorno depressivo.


As bases de dados utilizadas para a busca de artigos foram Pubmed e Lilacs. Os critérios de inclusão foram: 1. Foram incluídos estudos observacionais em humanos, 2. artigos publicados a partir de 2016. Os critérios de exclusão foram: 1. Artigos os quais não investigam uma possível relação do uso de cigarro eletrônico com transtorno de depressão 2. Artigos que investigam a troca do tabagismo habitual por cigarro eletrônico. A coleta dos dados é representada pelo Fluxograma 1.


 



 


RESULTADOS E DISCUSSÃO


Tabela 1 mostra os estudos encontrados que relaciona o cigarro eletrônico com os transtornos mentais de depressão e ansiedade.


 



 


O uso do tabaco é prevalente em pessoas com problemas de saúde mental, e estudos apontam que cerca de 60% dos tabagistas têm histórico de depressão clínica.(16) Todavia, o cigarro eletrônico se tornou um produto de tabaco amplamente usado pelos jovens e está associado com problemas de saúde mental.(6,7,8,17) 


Lee S et al (6) observaram que o humor depressivo estava relacionado com o tabagismo.(6) Esse estudo teve uma amostra de 5469 pessoas, que foram separados em 3 grupos: não fumantes; fumantes sem uso de cigarro eletrônico; e fumantes com uso prévio de cigarro eletrônico, e assim foi relatado que o risco de depressão em fumantes sem uso de cigarro eletrônico era 1,42 vezes maior do que no grupo de não fumantes, no grupo de fumantes com uso prévio de cigarro eletrônico o risco subia para 2,08 vezes, em um intervalo de confiança de 95% (IC 95%).(6)


Em dois estudos foi utilizada uma pesquisa por telefone chamada Behavioral Risk Factor Surveillance System (BRFSS), nos Estados Unidos da América (EUA).(7,8) No estudo de Obisesan OH et al(2) incluiu uma amostra de 892394 participantes eram maiores de 18 anos, separados em 4 categorias em relação ao consumo de cigarros eletrônicos: usuário diário, usuário ocasional, ex-usuário e não usuário questionando quantos pacientes autorrelataram o diagnóstico de depressão por um médico e como estava a saúde mental deles nos últimos 30 dias (estresse, sintomas depressivos ou outros problemas emocionais).(7) Os principais resultados foram que os ex-usuários tinham 1,60 vezes (IC 95%, 1,54-1,67) mais chances de relatar um histórico de diagnóstico clínico de depressão em comparação com os que nunca usaram, enquanto que os usuários atuais tiveram 2,10 vezes (IC 95%, 1,98-2,23) mais chances de apresentar este distúrbio mental.(7) Além disso, foram encontradas maiores chances de depressão em usuários ocasionais (1,96 vezes, IC 95% 1,82-2,10) e diários (2,39 vezes, IC 95%, 2,19-2,16) em comparação aos que nunca usaram.(7)


Obisesan OH et al(8), avaliaram a depressão entre 11918 indivíduos usuários, ex-usuários e não usuários de cigarro eletrônico, comprovando a presença deste distúrbio em 32,4%, 27,3% e 16,0% respectivamente.(8)


Em ambos os estudos, a maioria eram indivíduos com idade entre 18-39 anos e utilizavam concomitantemente cigarro eletrônico, e cigarro convencional.(7,8)


Lee Y e Lee KS(9) investigaram a associação da depressão e suicídio com o uso do cigarro convencional ou eletrônico em adolescentes (13-18 anos) na Coreia do Sul, em uma amostra de 62276 pessoas.(9) O desfecho do estudo concluiu que o uso duplo de cigarro eletrônico e convencional aumentava o risco de depressão em 2,28 vezes (IC 95%, 2.10-2.47), o uso exclusivo de cigarro eletrônico em 2,01 vezes (IC 95%, 1.69-2.38) e o convencional 1.80 (IC 95%, 1.68-1.93) quando comparado a adolescentes que nunca os utilizaram.(9) Em um estudo realizado no EUA com análise longitudinal, foi observado que adolescentes com problemas de saúde mental como ansiedade e depressão, estavam mais propensos a iniciar o uso de cigarros eletrônicos, mas não a iniciar o uso de cigarros convencional ou uso duplo.(10)


Um estudo longitudinal no Texas, utilizou-se de uma amostra de 5445 estudantes universitários com acompanhamento de 6 meses a 1 ano; esse estudo concluiu que os sintomas depressivos predizem o uso do cigarro eletrônico e não o contrário.(11) Além de que, no estudo de Spears CA et al(12) aponta que pessoas com problemas na saúde mental tendem a utilizar níveis mais altos de cigarros eletrônicos, como tentativa de relaxamento e controle do estresse.(12) Ademais, em outro estudo longitudinal foi demonstrado que o aumento da frequência no uso de cigarros, cigarros eletrônicos e narguilé está associado a sintomas depressivos, sendo que o duplo uso desses produtos estava relacionado a sintomas depressivos mais intensos.(13)


Por fim, os estudos de Grant JE et al(14) e Hefner KR et al(15) demonstram que o uso do cigarro eletrônico além de estar associado com histórico de depressão e outros problemas de saúde mental, também está relacionado com um maior consumo de álcool e drogas ilícitas.(14,15) Logo, problemas de saúde mental, podem induzir o uso de cigarro eletrônico como ocorre com o álcool e drogas ilícitas.(13,14,15,18)


O transtorno depressivo é uma doença de caráter heterogêneo, onde em presença das ambientais e neurobiológicas, sendo que, apesar de sua fisiopatologia não estar totalmente elucidada, ocorre funcionamento diminuído de neurotransmissores, serotonina, dopamina e norepinefrina no cérebro. (19) A nicotina tem a capacidade de atuar no sistema límbico cerebral, aumentando a sinalização da dopamina mesolímbica, resultando em dependência a nicotina.(20) Logo, pacientes depressivos estão mais propensos ao uso do cigarro eletrônico ,que contém altas concentrações de nicotina, visando o relaxamento e controle do estresse.(12,19,20)


 


CONCLUSÃO


Os estudos analisados nessa revisão sugerem que, problemas na saúde mental, destacando-se a depressão, induzem a utilização do cigarro eletrônico, principalmente em adultos jovens e adolescentes como uma possível tentativa de controle do estresse e relaxamento. Além disso, a saúde mental prejudicada aumenta as chances de adolescentes a iniciarem o uso de cigarro eletrônico.


 


REFERÊNCIAS


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2. Leslie FM. Unique, long-term effects of nicotine on adolescent brain. Pharmacol Biochem Behav. 2020 Oct;197:173010. https://doi.org/10.1016/j.pbb.2020.173010


3. National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine; Health and Medicine Division; Board on Population Health and Public Health Practice; Committee on the Review of the Health Effects of Electronic Nicotine Delivery Systems. Public Health Consequences of E-Cigarettes. Eaton DL, Kwan LY, Stratton K, editors. Washington (DC): National Academies Press (US); 2018 Jan 23. https://doi.org/10.17226/24952


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5. McLeish AC, Smit T, Garey L, Zvolensky MJ. Anxiety Sensitivity and Emotion Dysregulation in Dual and Exclusive E-Cigarette Users. Subst Use Misuse. 2021;56(12):1825-1830.https://doi.org/10.1080/10826084.2021.1954028


6. Lee S, Oh Y, Kim H, Kong M, Moon J. Implications of electronic cigarette use for depressive mood: A nationwide cross-sectional study. Medicine (Baltimore). 2020 Oct 2;99(40):e22514. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000022514


7. Obisesan OH, Mirbolouk M, Osei AD, Orimoloye OA, Uddin SMI, Dzaye O, et al. Association Between e-Cigarette Use and Depression in the Behavioral Risk Factor Surveillance System, 2016-2017. JAMA Netw Open. 2019 Dec 2;2(12):e1916800. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2019.16800


8. Saeed OB, Chavan B, Haile ZT. Association Between E-cigarette Use and Depression in US Adults. J Addict Med. 2020 Sep/Oct;14(5):393-400. https://doi.org/10.1097/adm.0000000000000604


9. Lee Y, Lee KS. Association of Depression and Suicidality with Electronic and Conventional Cigarette Use in South Korean Adolescents. Subst Use Misuse. 2019;54(6):934-943. https://doi.org/10.1080/10826084.2018.1552301


10. Riehm KE, Young AS, Feder KA, Krawczyk N, Tormohlen KN, Pacek LR, Mojtabai R, Crum RM. Mental Health Problems and Initiation of E-cigarette and Combustible Cigarette Use. Pediatrics. 2019 Jul;144(1):e20182935. https://doi.org/10.1542/peds.2018-2935


11. Bandiera FC, Loukas A, Li X, Wilkinson AV, Perry CL. Depressive Symptoms Predict Current E-Cigarette Use Among College Students in Texas. Nicotine Tob Res. 2017 Sep 1;19(9):1102-1106. https://doi.org/10.1093/ntr/ntx014


12. Spears CA, Jones DM, Weaver SR, Yang B, Pechacek TF, Eriksen MP. Use of and perceptions about electronic nicotine delivery systems (ENDS) among people with mental health conditions or serious psychological distress, 2018. Drug Alcohol Depend. 2020 Jul 1;212:108049. https://doi.org/10.1016/j.drugalcdep.2020.108049


13. Marsden DG, Loukas A, Chen B, Perry CL, Wilkinson AV. Associations between frequency of cigarette and alternative tobacco product use and depressive symptoms: A longitudinal study of young adults. Addict Behav. 2019 Dec;99:106078. https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2019.106078


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