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Artigos de Revisão

Prevalência de Infecções por Neisseria Gonorrhoeae em Gestantes: Uma Revisão Sistemática

Prevalence of Neisseria Gonorrhoae Infections in Pregnant Women: A Systematic Review

Camila Aparecida Coelho Rodrigues1; Laryssa de Oliveira1; Patrícia Guedes Garcia2

1. Programa de Pós-Graduação Latu Senso em Microbiologia da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora – SUPREMA
2. Professora do Programa de Pós-Graduação Latu Senso em Análises Clínicas e Microbiológicas da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora - SUPREMA

Endereço para correspondência
Camila Aparecida. Coelho Rodrigues
Rua Marilia, 284 – Benfica
Juiz de Fora. CEP: 36090-330
E-mail: diogoodonto@yahoo.com.br

Resumo

INTRODUÇÃO: As mulheres gravidas constituem um importante grupo de risco para infecções genitais por Neisseria gonorrhoeae. Embora a maioria das infecções sejam assintomáticas podem causar graves sequelas reprodutivas nas mulheres, constituindo um sério problema de saúde pública mundialmente.
OBJETIVOS: O objetivo deste estudo foi identificar por meio de uma revisão sistemática a prevalência da infecção por Neisseria gonorrhoeae em gestantes.
MÉTODOS: Realizou-se uma revisão sistemática tendo como referência a base de dados MEDLINE (National Library of Medicine) onde a estratégia de busca utilizou as seguintes palavras-chave: (Gonorrhea OR "Neisseria gonorrhoeae Infection" OR "Infection Neisseria gonorrhoeae" OR "Infections Neisseria gonorrhoeae" OR "Neisseria gonorrhoeae Infections") AND Prevalence AND Pregnancy.
RESULTADOS: Os estudos analisados envolveram mulheres grávidas em acompanhamento pré-natal de diversos países sendo possível verificar taxas de prevalências altas em estudos envolvendo Papua Nova Guiné onde as taxas de infecção chegaram à 14,2%. Este estudo apontou que a prevalência de Neisseria gonorrhoeae é maior entre as mulheres negra com idade igual ou inferior a 25 anos e está diretamente relacionada a fatores sociodemográficos, educacionais, culturais e a desigualdade entre homens e mulheres.
CONCLUSÃO: Há necessidade de implantação de medidas para identificação e prevenção de N. gonorrhoeae durante a gestação assim como mudanças culturais e estruturais para que possa haver igualdade de direito entre homens e mulheres.

Palavras-chave: Higienização das mãos, Sabões, Contaminação, Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde.

 

INTRODUÇÃO

A gonorreia é uma doença sexualmente transmissível (DST) causada por Neisseria gonorrhoeae transmitida quase que exclusivamente por contato sexual ou perinatal, tendo os humanos como os únicos hospedeiros naturais16,17.

Infecções por N. gonorrhoeae constituem importante problema de saúde pública em todo o mundo onde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a cada ano estima-se a ocorrência de 62 milhões de novos casos de gonorreia, dos quais a maioria ocorre em países em desenvolvimento. Nesses países, dados epidemiológicos sobre doenças sexualmente transmissíveis são escassos e de difícil acesso, sendo frequentemente obtidos a partir de estudos de pequeno número de pacientes18,19,28.

Assim como outras doenças sexualmente transmissíveis, a gonorreia é, em muitos casos, assintomática ou transmitida por pessoas que tenham sintomas ignorados ou não percebidos, podendo ser diagnosticada somente com testes de triagem como culturas, coloração de Gram e PCR, no entanto, poucos países possuem sistemas de triagem e notificação que permitam estimativas confiáveis da incidência da infecção11,20.

Em mulheres grávidas as infecções por Neisseria gonorrhoeae causam riscos não só para a mãe como também para o bebê, pois podem levar a vários desfechos adversos, incluindo ruptura prematura de membranas e partos prematuros21,22.

Apesar da disponibilidade de terapêutica antimicrobiana eficaz vários fatores têm sido associados ao difícil controle da doença na maioria das populações, tais como fatores demográficos, sociais, comportamentais e educacionais onde a mulher negra torna-se mais vulnerável a DSTs devido a questões complexas desde o comportamento, os papéis sociais a serem cumpridos por homens e mulheres e a relação de poder entre os gêneros23,24. O objetivo deste estudo foi avaliar, através de uma revisão sistemática, a prevalência de infecções por Neisseria gonorrhoeae em gestantes.


MÉTODOS

Estratégias de Pesquisa


Foram analisados os mais relevantes estudos publicados originalmente na língua inglesa e portuguesa, entre os anos de 2012 e 2017, tendo como referência a base de dados MEDLINE (National Library of Medicine).

A estratégia de busca utilizou as seguintes combinações de palavras-chave: (Gonorrhea OR "Neisseria gonorrhoeae Infection" OR "Infection Neisseria gonorrhoeae" OR "Infections Neisseria gonorrhoeae" OR "Neisseria gonorrhoeae Infections") AND Prevalence AND Pregnancy. Os critérios de inclusão e exclusão para a seleção dos estudos revisados são apresentados no Quadro 1.




RESULTADOS

Foram identificados inicialmente 807 estudos envolvendo a prevalência de N. gonorrhoeae. Contudo, ao selecionarmos apenas os estudos dos últimos 5 anos encontramos 113 estudos diretamente relacionados com a temática proposta pela revisão que tiveram seus Títulos e resumos lidos para a seleção dos trabalhos revisados. Foram finalmente incluídos na revisão 15 estudos que estão representados no fluxograma abaixo (Figura 1) onde demonstramos a seleção dos artigos por etapas sendo os dados utilizados para a produção do quadro 2.


Figura 1. Fluxograma de seleção dos estudos




Com base no conteúdo dos artigos pesquisados tornou-se possível a avaliação da ocorrência e distribuição de N. gonorrhoeae em gestantes ao longo dos últimos 5 anos. É possível observar um aumento gradual no número de publicações no período avaliado o que sugere uma maior preocupação com as consequências da infecção por N. gonorrhoeae durante a gestação (Figura 2).


Figura 2. Disposição de artigos selecionados para revisão de prevalência por data de publicação.



Através dos dados coletados é possível observar ainda que um maior número de estudos foi desenvolvido em países do continente africano e Papua Nova Guiné onde a população desses países é predominantemente negra.


DISCUSSÃO

A produção científica sobre a doença mostra que apesar das infecções sexualmente transmissíveis poderem afetar qualquer indivíduo, vários fatores demográficos, sociais e comportamentais influenciam em sua prevalência tais com a faixa etária, etnia, presença de sintomas, gênero e o teste empregado para o diagnóstico sendo mais prevalente entre mulheres negras com idade igual ou inferior a 25 anos e que possuam múltiplos parceiros2, 25,26.

Apesar das altas taxas de prevalência das infecções sexualmente transmissíveis, estas perderam sua importância ao longo dos últimos anos voltando a representar um grave problema de saúde pública principalmente após o aumento exponencial no número de casos de HIV e a consequente priorização ao tratamento desta DST em particular, sendo possível observar que apesar do crescente número de publicações ainda há uma falta de dados recentes sobre a prevalência de N. gonorrhoeae entre mulheres grávidas em diversas partes do mundo24,27

O método diagnostico para Neisseria gonorrhoeae utilizado nos estudos foi o teste de amplificação de ácidos nucleicos devido à sua alta sensibilidade e especificidade, no entanto, este é também um limitante para a estimativa correta do número de casos de N. gonorrhoeae pois, por se tratar de um método de custo elevado muitas vezes seu uso é descartado em países com recursos limitados4,28.

Em populações com diferentes comportamentos de risco e características sóciodemográficas é possível identificar que o aumento significativo no número de casos está muitas vezes associado ao uso inadequado de preservativos ou a não utilização destes29. Low et at., 2006 destaca que as mulheres são mais vulneráveis à infecção principalmente por causa das desigualdades de gênero26.

Tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento, a mulher muitas vezes não detém o poder para insistir que o parceiro use o preservativo durante a relação, principalmente em casos de matrimônio onde a mulher utiliza outros métodos contraceptivos ou durante a gravidez quando o seu uso não pode ser justificado para fins de planejamento familiar, aumentando assim as chances de exposição da mulher as DSTs13,15,30.

O papel da mulher em relação as questões sexuais em muitos casos ainda de submissão podem ser evidenciadas no presente estudo principalmente no continente africano onde a vulnerabilidade leva a incapacidade de se proteger de um parceiro infetado, acarretando danos importantes à saúde sexual e reprodutiva da mulher8,23.

A desigualdade social e a pobreza engrossam esta falta de poder, como pode ser observado nos estudos envolvendo Nova Guiné os quais tiveram as maiores taxas de infecção por N. gonorrhoeae chegando à 14,2% no estudo de Vallely et al., 2016. Estas altas taxas podem ser justificadas devido aos baixos níveis de alfabetização, principalmente entre mulheres, ao baixo poder econômico e aos muitos casamentos precoces encontrados não só em Nova Guiné como também nos países do continente africano2,5,11.

Apesar do alto nível de Infecções sexualmente transmissíveis entre mulheres grávidas os estudos envolvendo N. gonorrhoeae são limitados, apesar de esta infecção ser considerada um fator de risco para resultados neonatais adversos podendo levar à risco de prematuridade, perdas fetais e crescimento intrauterino restrito1. A Organização mundial da Saúde (OMS) destaca ainda a transmissão de Neisseria gonorrhoeae para o bebê por ocasião do parto, levando à inflamação ocular conhecida como oftalmia gonocócica neonatal, que pode resultar em perfuração do globo ocular e cegueira19.

Mesmo com os atuais avanços dos movimentos feministas as mulheres ainda possuem grande desvantagem quanto a seus direitos sexuais e reprodutivos sendo necessário mudanças culturais, estruturais e econômicas para que ocorra uma verdadeira igualdade de direito entre homens e mulheres23.


CONCLUSÃO

A evidente a escassez de dados envolvendo a prevalência de N. gonorrhoeae em gestantes de diversas partes do mundo, mostra a necessidade de identificar a real incidência global da doença principalmente entre as mulheres negra, possibilitando assim sua prevenção e tratamento.


REFERÊNCIAS

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